PÁGINA DO DIÁRIO DE UMA EXPATRIADA
Segunda-feira, 18 de Fevereiro de 2008
Querido diário:
Por causa da minha constipação, alergia, ou o quer que seja, acordei muito cedo, quase de madrugada. Para não variar, me embalar e tentar redormir liguei o meu pequeno leitor de mp3, que por acaso também tem rádio, e pus-me a ouvir as notícias. Não sei porque carga de água, mas adormeço mais depressa com as palavras do que com a música. Defeito de construção!... Eis senão, quando ao bater das seis na Antena 1, descobri que eu, nascida no distrito e concelho do Porto, residente em Matosinhos, província do Douro Litoral, situada no Noroeste de um país chamado Portugal, estava sob um forte temporal de chuva e vento. Pus a cabeça fora dos cobertores, tirei o auricular do ouvido e não ouvi r i g o r o s a m e n t e ruído algum salvo um leve respirar constipado do companheiro do lado. Voltei a por o auricular e a meter a cabeça no sítio do costume. E o locutor continuava a debitar os horrores do temporal que se abatera sobre TODO o país. Mas que país? Aquele que se chama Portugal e onde eu julgava que estava? Duvidava. E até às sete de manhã eu fui ouvindo notícias e não ouvindo temporal nenhum. C’os diabos! Eu não deveria estar em casa porque a minha casa é em Portugal. Comecei a ficar na dúvida se estaria lá realmente ou se por qualquer acaso teria havido também uma inesperada declaração unilateral da independência do Norte, no seguimento da de ontem do Kosovo, e eu não havia dado conta. Será que Isso poderia ser uma explicação para o facto de eu não ter temporal? Mas outro problema se me levantou: se deixara de pertencer a Portugal qual era então o meu país? Não sabia e… concluí que deveria ter sido expatriada. Às sete horas ouvi, na mesma estação radiofónica e estatal, que os portos de todo o país tinham sido fechados: Olhão, Tavira, Sines, ficando Setúbal e Portimão, com circulação sob controlo. Recordei o mapa de Portugal e percebi que todos eles se encontravam a sul de Lisboa o que veio confirmar a minha expatriação porque se o sítio onde vivia fosse Portugal ao referirem “todos os portos” teriam de citar também Aveiro, Porto e Viana. E sobre estes o silêncio era absoluto. Voltei a perguntar-me a quem pertencia então e acabei na conclusão inicial: só podia ter sido expatriada. E eu que gosto tanto de Portugal fiquei com pena porque além de apátrida deixara de ser portuguesa. Pelas sete e meia felizmente surgiu a resposta para o meu problema pela voz de uma pessoa que parecia saber o que estava a dizer pois era um meteorologista do INM (Instituto Nacional de Meteorologia). Segundo ele a situação dramática que se vivia abarcava o Centro e Sul do país e não todo o país. Aí os locutores da Antena 1 mudaram a cassette e finalmente, no noticiário das oito, a verdade foi reposta. Então, depois de me perguntar se saber como estava o tempo no Norte através dos correspondentes da media e imprensa locais, da Internet, dos telefones e dos telemóveis teria sido algo intransponível para os redactores das notícias até então despejadas, pude readormecer em paz pois afinal não perdera o meu país.
Até amanhã, querido diário
Caros leitores. Desculpem-me o tom de ligeireza deste texto. Mas é que há coisas que me põem doida. A gente já sabe há muito que Lisboa é Portugal e o resto é … Mas esta mania que os autores dos noticiários emitidos da capital têm de generalizar para todo o país o tempo que faz em Lisboa, demonstra o modo fácil e leve com que compõem as notícias. O que aconteceu no dia 18 foi um exemplo evidente dessa falta de cuidado. O que me parece é que, quase diariamente, não tendo ainda os dados do INM, aqueles senhores de Lisboa se esclarecem sobre as condições atmosféricas abrindo uma janela e pondo a mão de fora para ver a temperatura e olhando para o céu a ver se chove. E depois … é só dizer como está o tempo em TODO o país. Sim, porque se houver dilúvio em Freixo de Espada à Cinta, é mesmo só lá e não em TODO o país.
(texto semanal para o Matosinhos de Hoje a publicar em 27.2)
5 Comentários:
Muito bem observado...
Mas eu acho que estes casos nem são bem uma questão de discriminação ou não ligar ao resto do país... é mesmo incompetência pura e dura!!!
Parabéns pelo texto!
gaivota do sul
BOLAS!Estás mal aproveitada.E eu a julgar que escrevia alguma coisa!
G.MIMI
Embora "uma andorinha não faça a Primavera" (é assim, pois é?), esta é uma boa análise, quase 'académica', do funcionamento de alguma - muita - Comunicação Social. Mas não só aqui.
Posso garantir que não se trata de qualquer discriminação geográfica. É mesmo preguiça, maus hábitos, incompetência.
(Que os há em todas as áreas. Só que não são tão visíveis...)
Paula
Realmente, Gaivota do Sul, os nossos redactores são de uma incpmpetência alucinante. E o pior é que continuam a insistir na asneira ao longo da semana. E os erros de português que eles dão? Que Deus nos proteja...
Quanto a ti Mimi, um elogio desses vindo daí tem o valor de um Óscar.
Será que os vários desafios que, não sei há quantos anos, me tens andado a fazer não estarão na base deste resultado?
Um abanar de asas para as duas
Paulinha, minha filha-mãe,que bom ver-te por aqui! É mais uma gaivota que entra no nosso bando e és muito bem recebida. Claro que as minhas palavras não atingem toda a Comunicação Social, mas sabes melhor do que eu que há gente por ali que deveria mudar de vida.E há outra que continua a não ter o lugar que merece. Um beijo para ti
PS Foste hoje ao nosso blog? Alguém acordou
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