O MEU PORTO
Desci pelas vielas estreitinhas devagar,
passo a passo desde a Sé
olhando o esvoaçar das andorinhas
e o aroma impregnado do café.
Vi os miúdos despidos e descalços
as mulheres de avental e voz garrida
desci escadas, ruas e socalcos
ouvi corações, dores em sobressaltos
na luta aperreada pela vida.
Levaram-me os ventos à Ribeira
deste meu Porto que ali nasceu outrora
de gentes vivendo na canseira
da azáfama tisnada na ombreira
de cada porta aberta desde a ourora.
É de granito o perfil desta cidade
e de cinza que seduz e inebria silêncios
que se escondem sem idade
mágoas de trabalho e de vontade
na faina agreste de cada dia a dia.
São as sirenes anunciando o nevoeiro
que me levam em segredo até á Foz.
São rebelos falando em tom fagueiro
correntes de um passado marinheiro
contando histórias ali ao pé de nós.
E a alma quase desmaia entontecida
leda e cega por esses tons cinzentos
lavada de saudades, foragida
como a nuvem que nos rasga dolorida
o eco surdo e pardo dos lamentos.
Vai o bote descendo pelo rio
deixando em cada casa a ânsia de voltar
e na brisa trespassada pelo frio
lá vem a noite com seu olhar vadio
cobrir amantes num afago á beira-mar.
São as estrelas agora que iluminam
luas-cheias que nos servem de abrigo
quais breves gotas de água
que fascinam luzes que se acendem,
se destinam a lavar os prantos deste Porto tão antigo.
Regresso de novo ao leme dos meus passos
na ilusão de ter visto outro mundo
e não cabe no arco dos meus braços
esta cidade que eu trago em mil pedaços
semeada no meu seio mais profundo.
Etérea - 2004
Fotografia "Bruma" de http://cidadesurpreendente.blogspot.com/
1 Comentários:
Gostei do texto,é mesmo a nossa cidade.
Givota MIMI
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