terça-feira, 27 de novembro de 2007

O MEU PORTO


Desci pelas vielas estreitinhas devagar,

passo a passo desde a Sé

olhando o esvoaçar das andorinhas

e o aroma impregnado do café.

Vi os miúdos despidos e descalços

as mulheres de avental e voz garrida

desci escadas, ruas e socalcos

ouvi corações, dores em sobressaltos

na luta aperreada pela vida.

Levaram-me os ventos à Ribeira

deste meu Porto que ali nasceu outrora

de gentes vivendo na canseira

da azáfama tisnada na ombreira

de cada porta aberta desde a ourora.

É de granito o perfil desta cidade

e de cinza que seduz e inebria silêncios

que se escondem sem idade

mágoas de trabalho e de vontade

na faina agreste de cada dia a dia.

São as sirenes anunciando o nevoeiro

que me levam em segredo até á Foz.

São rebelos falando em tom fagueiro

correntes de um passado marinheiro

contando histórias ali ao pé de nós.

E a alma quase desmaia entontecida

leda e cega por esses tons cinzentos

lavada de saudades, foragida

como a nuvem que nos rasga dolorida

o eco surdo e pardo dos lamentos.

Vai o bote descendo pelo rio

deixando em cada casa a ânsia de voltar

e na brisa trespassada pelo frio

lá vem a noite com seu olhar vadio

cobrir amantes num afago á beira-mar.

São as estrelas agora que iluminam

luas-cheias que nos servem de abrigo

quais breves gotas de água

que fascinam luzes que se acendem,

se destinam a lavar os prantos deste Porto tão antigo.

Regresso de novo ao leme dos meus passos

na ilusão de ter visto outro mundo

e não cabe no arco dos meus braços

esta cidade que eu trago em mil pedaços

semeada no meu seio mais profundo.

Etérea - 2004

1 Comentários:

Às 28 de novembro de 2007 às 22:06 , Anonymous Anónimo disse...

Gostei do texto,é mesmo a nossa cidade.

Givota MIMI

 

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