O 9 de Abril e a minha avó materna
Só conheço a minha avó Delfina através das histórias que a minha mãe contava dela. Faleceu no fim da 1º Grande Guerra, durante a pneumónica, juntamente com 3 filhos, deixando um viúvo e 4 outros filhos, de que a minha mãe era a mais nova. Contudo é uma pessoa que ficou marcada na minha vida de um modo especial por um facto que a minha mãe me contava todos os anos a 9 de Abril, data da batalha de La Lys, em que as tropas portuguesas, intervenientes naquele conflito europeu foram dizimadas naquilo que foi a maior derrota portuguesa desde Alcácer Quibir. Filha de lavradores abastados de uma família que deu um bispo à cidade do Porto, tivera a oportunidade de aprender a ler e a escrever. A crise que se vivia obrigara-a a fazer da sua actividade favorita, a tecelagem, um complemento para o orçamento doméstico. Sendo das raras pessoas letradas naquela aldeia, a ela se dirigiam todos quantos queriam saber o que diziam as cartas que ali chegavam vindas da França e dos “Brasis”. E a Delfina tecedeira juntava no terreiro da casa que eu ainda conheci, os que dela precisavam para saber novas, boas ou más, dos que estavam longe. Quando eu própria aprendi a ler (coisa que continuo a fazer) veio parar-me às mãos um livrinho de Júlio Dinis intitulado “A Morgadinha dos Canaviais” em que a principal personagem feminina se entregava ao mesmo labor da minha avó Delfina: ler cartas. E a 9 de Abril de cada ano eu relembro-a com orgulho e leio respeitosamente a resposta da Morgadinha a Henrique quando ele lhe deu a conhecer que a tinha surpreendido em plena actividade de leitura num dos caminhos da aldeia: "-Aquela gente encontrou-me no caminho quando eu voltava de uma visita a uns parentes pobres, e não me deixou sem que eu lhe abrandasse a ânsia de coração que a afligia. Coitados! Que havia eu de fazer? Diga-me, já pensou no suplício que deve ser olhar a gente para uma folha de papel escrita, na qual sabemos que se fala de uma pessoa querida,e não ter poder para decifrar aquele enigma? Que martírio! Eu. por mim, confesso que me falta o ânimo para recusar pedidos daqueles, como me faltaria para negar uma gota de água ao desgraçado que visse a morrer de sede. A crueldade seria quase igual." Um dia te conhecerei, avó. Até lá envio-te um beijo e agradeço-te por teres sido quem foste.
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