Considerações sobre um artigo da Sábado de 14.6
A REPORTAGEM QUE LI SOBRE UM LIVRO QUE NÃO LI
Desde o 25 de Abril 1974 que muito escritores e jornalistas se têm entretido a ganhar dinheiro escrevendo livros e outros textos batendo no “velhinho”. Não me refiro propriamente a Salazar, que por acaso até já tinha uma certa idade, mas sim ao regime que caiu nessa altura. E se algumas dessas obras estão historicamente documentadas e nos transmitem uma realidade que existiu, com todos os seu contras e prós, outras, mesmas que bem escritas, assentam em impressões pessoais que, como tal correm o perigo de uma grande subjectividade, quando não de uma deformação do ocorrido. Mas as que mais me impressionam são as redigidas por autores que se julgam detentores de uma verdade que não conheceram simplesmente porque… eram demasiado jovens para terem a vivência dos factos que descrevem.
Ao ler a revista Sábado da última semana, um dos meus hábitos de leitura de fim de semana, deparei com uma, francamente não sei como a hei-de adjectivar, entrevista concedido por um senhor de nome António Costa Santos, que não conheço de lado nenhum, a Patrícia Cascão, a propósito de um livro por aquele publicado, intitulado “Proibido” e em que, segundo a autora da entrevista, se propõe “ironizar sobre a moral castradora da ditadura” e em que apresenta um capítulo sobre “as suas proibições ridículas” algumas das quais, acrescenta, se mantêm em vigor. Aconselho os meus leitores a lerem-no. Poderia ser até um trabalho interessante, não fosse o facto do referido jornalista ter, no rebentar da revolução a idade de 16 anos. Que direito lhe assiste em falar em experiências pessoais sobre determinados assuntos? Ah! Já sei. Os beijos que andou a dar a uma namorada e que levaram umas velhinhas a chamarem a guarda. Aqui começa logo por fazer a confusão entre normas sociais e as do regime político. Este nunca proibiu os beijos. Apontem-me um só caso de prisão a quem deu beijos na praça pública. E eles davam-se e a maior parte das vezes às escondidas. Mas não era por medo à polícia e à Pide. Era por medo aos pais. E que saborosos eram esses beijos muitas vezes roubados! Eu posso afirmar isso com segurança porque vivi 32 anos debaixo da ditadura que ele não conheceu. Outro erro grave da sua memória de adolescente foi o de generalizar medidas que existiram inicialmente no regime mas que despareceram bastante antes dele cair e, sobretudo antes do autor do livro nascer.. Usei bikini ainda nos anos 60 e calças compridas como as dos rapazes. E não fui presa. Comecei a trabalhar, sem precisar de autorização do meu marido. Fui professora e nunca tive de apresentar atestado de emprego do marido. Saí do país com as minhas filhas pequenas, com passaporte próprio em que elas estavam incluídas. E eu que sou de uma terra de gente de mar, Matosinhos, nunca ouvi confundir as mulheres dos pescadores, que noite avançada iam ajudar à descarga do peixe, e as operárias das fábricas que circulavam pelas ruas antes do amanhecer, por virem de longe para trabalhar, com vulgares prostitutas. Sobre estas há algo que não sabe. O regime que ataca não as proibiu: protegeu-as. Eram obrigadas a exames médicos periódicos e exerciam a sua profissão em locais mais decentes do que aqueles em que o fazem hoje: as beiras das estradas, as ruas e sabe onde Deus mais. Não havia Sida e a droga não corria pelos passeios e boîtes (discotecas, se não conhecer a palavra) de mão em mão. Só pode falar em vivências do antes do 25 de Abril quem viveu essa época. A própria história falha porque a esta distância o partidarismo político e a nossa eterna dicotomia esquerda-direita, para não falar nos interesses individuais, ainda impedem uma visão clara do que se passou e por isso, e será esse o seu caso, cada um puxa a brasa para a sua sardinha. Por alguma razão o Salazar venceu o concurso que referiu. Ao ler mais atentamente a sua apresentação, verifiquei que deixou de ser jornalista para ser guionista de cinema, televisão e romances. Acho que encontrou o rumo certo. Aí já tem campo para exercitar a sua imaginação sobre épocas e comportamentos que desconhece.
PS. A multa pelo isqueiro era de 2$50. Ah! E pelos vistos não acabaram os bufos … Que o diga o meu colega que foi suspenso por contar uma anedota sobre o nosso Primeiro Ministro…
Desde o 25 de Abril 1974 que muito escritores e jornalistas se têm entretido a ganhar dinheiro escrevendo livros e outros textos batendo no “velhinho”. Não me refiro propriamente a Salazar, que por acaso até já tinha uma certa idade, mas sim ao regime que caiu nessa altura. E se algumas dessas obras estão historicamente documentadas e nos transmitem uma realidade que existiu, com todos os seu contras e prós, outras, mesmas que bem escritas, assentam em impressões pessoais que, como tal correm o perigo de uma grande subjectividade, quando não de uma deformação do ocorrido. Mas as que mais me impressionam são as redigidas por autores que se julgam detentores de uma verdade que não conheceram simplesmente porque… eram demasiado jovens para terem a vivência dos factos que descrevem.
Ao ler a revista Sábado da última semana, um dos meus hábitos de leitura de fim de semana, deparei com uma, francamente não sei como a hei-de adjectivar, entrevista concedido por um senhor de nome António Costa Santos, que não conheço de lado nenhum, a Patrícia Cascão, a propósito de um livro por aquele publicado, intitulado “Proibido” e em que, segundo a autora da entrevista, se propõe “ironizar sobre a moral castradora da ditadura” e em que apresenta um capítulo sobre “as suas proibições ridículas” algumas das quais, acrescenta, se mantêm em vigor. Aconselho os meus leitores a lerem-no. Poderia ser até um trabalho interessante, não fosse o facto do referido jornalista ter, no rebentar da revolução a idade de 16 anos. Que direito lhe assiste em falar em experiências pessoais sobre determinados assuntos? Ah! Já sei. Os beijos que andou a dar a uma namorada e que levaram umas velhinhas a chamarem a guarda. Aqui começa logo por fazer a confusão entre normas sociais e as do regime político. Este nunca proibiu os beijos. Apontem-me um só caso de prisão a quem deu beijos na praça pública. E eles davam-se e a maior parte das vezes às escondidas. Mas não era por medo à polícia e à Pide. Era por medo aos pais. E que saborosos eram esses beijos muitas vezes roubados! Eu posso afirmar isso com segurança porque vivi 32 anos debaixo da ditadura que ele não conheceu. Outro erro grave da sua memória de adolescente foi o de generalizar medidas que existiram inicialmente no regime mas que despareceram bastante antes dele cair e, sobretudo antes do autor do livro nascer.. Usei bikini ainda nos anos 60 e calças compridas como as dos rapazes. E não fui presa. Comecei a trabalhar, sem precisar de autorização do meu marido. Fui professora e nunca tive de apresentar atestado de emprego do marido. Saí do país com as minhas filhas pequenas, com passaporte próprio em que elas estavam incluídas. E eu que sou de uma terra de gente de mar, Matosinhos, nunca ouvi confundir as mulheres dos pescadores, que noite avançada iam ajudar à descarga do peixe, e as operárias das fábricas que circulavam pelas ruas antes do amanhecer, por virem de longe para trabalhar, com vulgares prostitutas. Sobre estas há algo que não sabe. O regime que ataca não as proibiu: protegeu-as. Eram obrigadas a exames médicos periódicos e exerciam a sua profissão em locais mais decentes do que aqueles em que o fazem hoje: as beiras das estradas, as ruas e sabe onde Deus mais. Não havia Sida e a droga não corria pelos passeios e boîtes (discotecas, se não conhecer a palavra) de mão em mão. Só pode falar em vivências do antes do 25 de Abril quem viveu essa época. A própria história falha porque a esta distância o partidarismo político e a nossa eterna dicotomia esquerda-direita, para não falar nos interesses individuais, ainda impedem uma visão clara do que se passou e por isso, e será esse o seu caso, cada um puxa a brasa para a sua sardinha. Por alguma razão o Salazar venceu o concurso que referiu. Ao ler mais atentamente a sua apresentação, verifiquei que deixou de ser jornalista para ser guionista de cinema, televisão e romances. Acho que encontrou o rumo certo. Aí já tem campo para exercitar a sua imaginação sobre épocas e comportamentos que desconhece.
PS. A multa pelo isqueiro era de 2$50. Ah! E pelos vistos não acabaram os bufos … Que o diga o meu colega que foi suspenso por contar uma anedota sobre o nosso Primeiro Ministro…
(Artigo publicado em Matosinhos Hoje de 19.6.2007)
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