quarta-feira, 27 de junho de 2007

DIVAGAÇÃO A PROPÓSITO DO TEXTO ANTERIOR

Alguns dos meus leitores têm-me abordado a propósito do texto da semana passada. Uns estão comigo. Outros não. Estas coisas dependem sempre da maneira de estar no mundo de cada um. Quem escreve não pode ter a presunção de que agrada a todos. Fico contente quando alguém diz bem das minhas linhas e aceito as posições contrárias com o mesmo respeito com que rebato as coisas com que não concordo. Mas voltando ao referido texto, aquilo que eu tenho achado mais interessante nas diferentes reacções é que elas têm como base a mesma linha de pensamento do autor em que eu me centrava: uma grande confusão entre normas sociais e normas políticas. O chamado Estado Novo processou-se ao longo de cerca de 40 anos, período durante o qual umas e outras se foram alterando. As leis políticas foram mudando em função dos interesses do Estado. Talvez não tenha agradado a todos a forma como essas mudanças iam sendo feitas. Mas o certo é que o país que tínhamos em 1974 era diferente do de 1928. As sociais acompanharam a evolução dos costumes por assimilação de usos exteriores que nos chegavam através da literatura, da rádio, mas sobretudo do cinema. Esses meios eram censurados? Todos sabemos que o foram. Mas isso pôs-nos a pensar e a agir a todos da mesma maneira? Que o diga quem viveu essa época. E, engraçado, isto fez-me pensar de repente que a minha vida está partida em duas metades. Ambas de 32 anos e alguns meses. A primeira foi vivida sob aquilo que é designado por uma ditadura. A segunda tem vindo a decorrer no regime que se lhe opõe: a democracia. Na faculdade eu aprendera que democracia era o “governo do povo”. Entendi isso, e comparativamente com as democracias já então em “funcionamento” eu acreditava que como elemento do povo, como cidadã, a minha voz ia ser ouvida. Por isso sempre votei e cumpri os meus deveres nessa área. Desde o 25 de Abril tenho vivido nesta expectativa. Mas ando a perder a esperança. Talvez porque, como muitas vezes já aqui disse, não percebo nada de política. E com a maioria dos altos representantes (salvem-se algumas valiosas excepções, para confirmar a regra) que o país tem elegido para esta área fundamental da nossa vida, não antevejo que algum dia venha a conseguir perceber. Para mim os políticos têm de ser cidadãos especiais que representem os interesses dos restantes cidadãos perante o Estado. Na Idade Média existiam para essa função os “homens-bons” que eram “escolhidos”, pelas suas qualidades humanas. Hoje, quem nos representa são pessoas que nos “oferecem” as suas “ideias pessoais”, que temos de seleccionar dentro de um leque variado de tendências. Feita a nossa escolha, tornam-se uma espécie de nossos procuradores junto do Estado. É por isso que eu tenho a estranha sensação de que este serve mais os interesses dos cidadãos-políticos do que a dos cidadãos-povo, porque são aqueles os que têm voz. E porque dá estatuto e é bem paga, a política nesta democracia aparece como profissão a obter a partir de uma carreira cuidadosamente preparada. Dantes costumava dizer-se dos cursos de Letras: “Se não derem para mais nada, dão para professor”. Actualmente, qualquer que seja a formação académica obtida, desde que se pertença a um partido ou se tenha alguém bem colocado entre os conhecidos ou familiares, “se não der para mais nada dá para assessor”. E depois é só saber esperar para subir na hierarquia (aguentando com paciência, e não só, os percalços que sempre surgem), e …prometer para poder ganhar…

Em 1383, Álvaro Pais, um “assessor” de D. João, Mestre de Avis, para o convencer a obter o apoio da população de Lisboa, aconselhava-lhe: “Dai aquilo que vosso não é e prometei o que não tendes. Isso vai ajudar-vos na situação a que chegaste” .

Talvez tenha sido aqui, na Idade Média, que eu comecei a não perceber nada de política…

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