sexta-feira, 30 de novembro de 2007

 Hoje faz anos que partiu alguém que logo que conheci tive como amigo. Poeta de desvairadas intenções, jornalista militante, romancista, era um homem de mil culturas e de muitos afectos. Encontrámo-nos num momento de brincadeira pública nacional, que foi a primeira “Visita da Cornélia”. Foi um momento de escândalo: um homem daquela envergadura a “fazer tal papel na TV”. Fora arrastado para a festa pela Carminho Ruela Ramos, sua cunhada. Não que ele precisasse que alguém o levasse para algum lado desde que esse local lhe desse prazer. E como ele usufruiu de cada minuto! Do que se passou naqueles dias de concurso gravados no Villaret só poderá falar quem os viveu. Ele foi a prova mais que evidente que ser culto não é viver fora do quotidiano, fosse ele qual fosse. Bonacheirão, pai extremoso em busca do descendente macho (o que só conseguiu à sexta tentativa) com ele e a sua família conhecemos, eu e o meu marido, a Lisboa nocturna dos eruditos, o espaço e o tempo dos debates na Rua do Patrocínio, no meio das gargalhadas e de uns tantos copos. Nunca nos esquecestes e de vez em quando lá chegava mais um livrito teu pelo correio. Partiste cedo demais. Mas como terás gostado: de repente e no meio de livros. In memoriam aqui deixo duas poesias tuas. Uma que fala de amor, o amor que tinhas pela tua mulher Rosário e que frutificou nessa prole que nos deixaste. Mas porque além de homem de afectos eras um irreverente, junto uma que tu nem imaginas, lá onde estás, como ela é um belo quadro do momento que vivemos.

Porque eu amo-te, quer dizer, estou atento
às coisas regulares e irregulares do mundo.
Ou também: eu envio o amor
sob a forma de muitos olhos e ouvidos
a explorar, a conhecer o mundo.

Porque eu amo-te, isto é, eu dou cabo
da escuridão do mundo.
Porque tudo se escreve com a tua letra.

                                                                            Fernando Assis Pacheco

 

Este ministro é um mentiroso
que agonia quando ele discursa
e se fosse só isso: bale sem jeito
às meias horas seguidas – e não pára!

bem-aventurados os duros de ouvido
a quem o céu abrirá as portas
desliguem p.f. o microfone
ou então tirem o país da ficha

Fernando Assis Pacheco

           Um abraço mesmo que virtual. Nos nossos corações guardamos a memória do poeta e o calor da tua amizade

 

 

 

2 Comentários:

Às 30 de novembro de 2007 às 16:53 , Anonymous Anónimo disse...

O que eu gostei de ler este post... lembro-me perfeitamente de o ver na Cornélia... o programa foi uma lufada de ar fresco com a cultura e o bom gosto a andarem de mãos dadas... muitas vezes eu pensava: que sorte terem sido seleccionados concorrentes com este valor... à sorte ou com um jeito, não importa, importante, sim, era o tempo que passávamos a ver na TV um programa de qualidade!

Só não achei muita graça a um poema que ele fez especialmente para o programa e que se chamava "as belas do meu tempo" e onde não era nada simpático para elas, pois... se as belas do seu tempo "estavam gordas"... ele não estava menos... mas enfim, era uma sátira, compreende-se... e fiquei a saber que era por isso que ele tinha decidido casar com uma mulher dez anos mais nova...
Enfim, lembranças...
gaivota do sul

 
Às 30 de novembro de 2007 às 17:05 , Blogger Gaivota Maria disse...

Mas a Rosarinho não era o que se poderia exactamente chamar uma mulher magra. As sucessivas gravidezes poderão ter dado uma ajuda. Mas a ideia que conservo do resto da família era de alguma redondez,

 

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