sábado, 5 de setembro de 2009

ONTEM, FINALMENTE, FUI VER O MAR

Sempre que não vou ver o mar passo o tempo a pensar nele. Quando ia para o liceu de eléctrico e fazia uma parte da viagem junto à praia, com a brincadeira entre os colegas nem dava por ele. Quando digo “ver o mar” não é pois passar por ele e deitar um olhar distraído. Ver o mar, para mim é o mesmo que “sentir o mar” mergulhar nele não com o corpo mas com o olhar. É perder-me para lá do Horizonte, como se a minha vista alcançasse a outra margem para onde ele nos foge todos os dias. Creio que isto me vem do berço. Devo ter sido muitas vezes adormecida pelo barulho das ondas, quando o vento soprava de sudoeste. Sinto uma dependência total daquela imensidão que todos os dias muda de cor, como se de um vestido se tratasse. A minha relação com a praia é diferente. Passo bem sem ela porque detesto areia. Suporto-a quando me serve de estrada para chegar à agua. Mas a maior parte das vezes prefiro vê-lo do alto de um rochedo ou da marginal. Que saudades tenho das minhas caminhadas matinais até à Foz! Vivo na esperança de as repetir. Regressava cansada, mas de alma renovada e em paz.
Voltando ao título do texto, após mais de dois meses de recolhimento em casa, fui ver o mar ontem. E, por sorte, num dos meus sítios favoritos e na hora mágica do poente. Um convívio de amigos levou-me até à Casa de Chá da Boa Nova. Fui a primeira a chegar para me posicionar e desfrutar de cada momento, de cada vaga que quebrava naqueles rochedos que, se já foram muitas vezes de morte, para mim são de vida pura. E pude ter uns bons minutos de recolhimento que me permitiram acompanhar o sol até ele se despedir de mim numa paleta de cores. Então esqueci-me que tinha gente à minha volta e senti-me só com ele. Deixei que nos fizesse companhia o nosso António Nobre. E os três rezámos sozinhos

Na praia lá da Boa Nova, um dia,
Edifiquei (foi esse o grande mal)
Alto castelo, o que é a fantasia,
Todo de lápis-lazúli e coral!

Naquelas redondezas não havia
Quem se gabasse dum domínio igual:
Oh, castelo tão alto! parecia
O território dum senhor feudal!

Um dia (não sei quando, nem sei donde)
Um vento seco de deserto e spleen
Deitou por terra, ao pó que tudo esconde,

O meu condado, o meu condado, sim!
Porque eu já fui um poderoso conde,
Naquela idade em que se é conde assim..."

António Nobre
(Fotografia extraida de http://www.photoblog.com

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