A MINHA 4ª CLASSE DE 1953
Iniciei a minha actividade académica com 6 anos, quando (infelizmente) a escolaridade ainda não era obrigatória. Pouco tempo depois aquela lacuna foi resolvida com a imposição de todos os nascidos em território nacional passarem a ter de fazer a 4ª classe. Com o passar dos anos e a Revolução dos Cravos (que não foi sangrenta, mas tem feito correr muito sangue) o período de estudos ao qual a nossa juventude tem vindo a ser obrigada, estendeu-se até ao 12º. Embora continue a pensar que mais vale um bom profissional sem estudos do que um doutor ignorante, não tenho nada contra isso. Mas, quando esta medida apareceu, a maioria do país começou a duvidar da real intenção do Governo ao criá-la. E então interrogou-se: se os alunos não querem estudar, nem ir para ao ensino superior, para que raio obrigá-los a fazerem um percurso destes? E como tudo isto acontecia num período em que as caixas dos nossos supermercados estavam em grande parte ocupadas por licenciados no desemprego, demo-nos conta de que aquela medida calhava mesmo bem para atenuar os números dos que não tinham colocação. Sim porque estudante não é desempregado. E se ainda restavam algumas dúvidas do objectivo governamental, eis que o nosso Primeiro-Ministro veio anunciar gloriosamente a implementação dos cursos designados por Novas Oportunidades destinados aos que nunca, em tempo algum, iriam chegar por “motu” próprio ao 12º. Assim, sem grande esforço, era só fazerem um cursito ao faz de conta e ei-los com equivalência a esse patamar. E, além disso, se continuarem desempregados aos 23 anos, e tiverem saudades de andar “a estudar”, poderão concorrer a um qualquer curso do ensino superior. O difícil será escolher qual dado o vazio científico e cultural com que lá chegam se pensarmos na “profundidade” e “riqueza” dos currículos frequentados nas “academias” precedentes. Mas enquanto lá estão continuam a não contar para a taxa do desemprego.
O mesmo Governo que criou este estado de coisas abraçou com ligeireza a proposta europeia dos currículos do processo de Bolonha. Os anos lectivos passaram a semestres (de 4 meses) e os alunos chegam ao fim do Mestrado no mesmo espaço de tempo em que as gerações de há 4/5 anos para trás faziam apenas uma licenciatura. Ou éramos todos lentos e estúpidos e precisávamos desse tempo todo para uma formação ou esta gente já nasceu com saberes inimagináveis. Mas tudo isto também se aguentava (português está habituado a tudo…) não fosse o facto de, em variadíssimas situações, estes novos licenciados e mestres pós Bolonha passarem à frente dos pré - Bolonha, devido ao decreto lei, que regulamentou aquele Processo, não ter deixado claras as compatibilidades e equivalências dos dois diferentes regimes curriculares. Aliás corre neste momento na net uma petição lançado pelos prejudicados para pedirem remédio para tal injustiça.
A mim já nada disto me afecta. Apenas me revolta. De que me valeria ter duas licenciaturas e um mestrado se tivesse ainda que concorrer contra esta gente que começa agora a sair formada? E o meu medo, o meu grande medo, é que um dia, mais ou menos próximo, nós, os ditos pré - Bolonha, vejamos os nossos cursos equiparados aos dos alunos saídos das Novas Oportunidades.
Por essas e por outras é que quando agora me pedem um currículo eu limito-me a dizer que “tenho a 4ª classe de 1953”. Essa tinha qualidade porque sabíamos ler, escrever e contar. Além disso não tinha concorrência de outros cursos e não influía na taxa do desemprego porque quem então não a fazia era porque já trabalhava.
2 Comentários:
Isto revolta mesmo. E depois o PM vem dizer que o número de licenciados aumentou muito. Pudera. Eles ficam licenciados na altura em que nós ficávamos bachareis.
Vamos pagá-las todas. Coitaditos dos nossos filhos e netos!
beijo
Num país em que o ensino desvaloriza a passos largos não admira que aconteça o mesmo ao dinheiro. O PM abriu a exemplo com a pseudolicenciatura dele e com as Novas Oportunidades. Quem precisava de ir para lá era ele pois aí estava perfdeitamente nivelado. Boa noite
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