Um amigo
ERA UMA VEZ UM AMIGO
Mal nos conhecemos
Inauguramos a palavra amigo!
Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.
Amigo é a solidão derrotada!
Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!
Inauguramos a palavra amigo!
Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.
Amigo é a solidão derrotada!
Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!
Alexandre O'Neill
Conhecemo-nos pouco depois do Natal
de 1987. A
minha mãe morrera dias antes e eu estava desfeita. No intuito de me animarem,
as minhas filhas trouxeram-mo de presente. Era uma coisa pequenina que não sabia
sorrir, mas tinha um olhar tão limpo que encheu o meu coração de carinho.
Ofereci-lhe logo a casa da minha ternura e inauguramos a palavra amigo. Melhor
dizendo, tornei-me uma espécie de mãe daquela coisinha doce que cabia na palma
da minha mão, que mal sabia andar ou pedir ajuda. Esse momento marcou a entrada
do Willie na nossa vida. O Willie, que alguns dos meus leitores conheceram, era
um cão, melhor dizendo, um senhor cão, apesar da sua condição de rafeiro, que
desde que chegou se tornou o dono de todos nós pois todos passamos a viver em
função dele. Vigiámos-lhe as tentativas de latidos e aplaudimos a primeira vez
que ladrou. E a festa que fizemos quando ele conseguiu subir um degrau! Era uma
bolinha de pelo preto, com o peito branco sarapintado e umas minetes brancas
nas patas da frente. Filho e irmão de perdigueiros, herdou os genes de uma avó
ou avô de raça diferente porque se distinguia da restante família pela cabeça
bastante semelhante à de um lavrador. À medida que cresceu foi-se modificando.
Recebemo-lo exactamente com um mês e viveu connosco 18 anos e 5 meses. Partiu
como chegou: rodeado pelo nosso amor. Esse período de convivência é que me fez
lembrar o poema do Alexandre O’Neill. Ele diz tudo o que eu gostaria de ser
capaz de dizer. Ele era o contrário do inimigo. Afagava-nos com os olhos e, às
vezes, com a língua. Qual sombra, seguia-nos por todo o lado, sobretudo ao meu
marido e netos, que viu nascer e crescer, e que pelo prazer que lhes
proporcionava foi motivo para eles desejarem um amigo semelhante. Com ele nunca
estávamos sozinhos. Se alguém estava doente ele copiava a postura e só
abandonava a cama quando o médico entrava para verificar que vinha em paz.
Olhava-nos quando falávamos e entendia tudo quanto dizíamos, sobretudo quando lhe
interessava, como quando na conversa surgia a palavra “rua” ou “passeio” ou
“carro”. Saía disparado e era o primeiro a chegar à porta. Lembro-me que uma
vez, em que queríamos sair sem ele, falámos francês entre nós os dois para que
não compreendesse, mas não adiantou nada: saiu orgulhosamente á nossa frente.
Grande gastrónomo, esperava sempre que acabássemos de comer para ver se lhe
tocava algum petisco esquecido num prato ou guardado para o efeito. Viajante
experiente, era um óptimo companheiro de jornada. Julgo que poucos
acontecimentos familiares terá perdido. Talvez só aqueles interditos a caninos.
Tinha ritos próprios que nos impôs e habituou-se a outros nossos. Essas rotinas
juntamente com a sensação da humidade do seu focinho, do sedoso do pelo que nos
oferecia para que o acariciássemos e do olhar fiel e frontal são agora apenas
momentos de saudade. Viver com o Willie foi um privilégio, uma agradável tarefa, uma convivência feliz, mas sobretudo
uma grande festa.
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