domingo, 26 de outubro de 2008

ÀS AMIGAS QUE FIZERAM UM LIVRO A PARTIR DOS MEUS PENSAMENTOS E ESCRITOS

Ao princípio era nada:

Apenas uma folha de papel
branca
despida de linhas
nua de conteúdo.

Depois houve momentos
que a encheram
de ideias,
factos,
pessoas
e nós de muitos saberes.

E surgiram mais folhas
agora cobertas
de letras em palavras rabiscadas
e de imagens
que se ordenaram
em períodos,
parágrafos,
e páginas.


Então as folhas soltas,
ligadas apenas pelo fio invisível
que cruza o tempo com o espaço,
foram modeladas por mãos de artistas
que lhes transmitiram
alma,
sentido,
luz e cor.

E do nada surgiu o Livro:
nó de saberes,
nó de solidariedade,
mas, sobretudo, de afectos.

im

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

OUTONO

Reconhecemos o Outono
Não pelo tamanho dos dias
Que se notam mais pequenos,
Nem pela partida das aves
Em busca de outras lares;
Nem mesmo pelas folhas
Das árvores do parque,
Que pisamos ao passar,
Se vestirem com cores novas.

Quando o vento sopra mais fino
E se insinua pelas ranhuras
Mal calafetadas das portas e janelas
Arrefece a casa e se aloja em nós,
Quando começamos a desejar um sofá
Bem perto de uma lareira
Onde possamos ficar
A ler ou a ouvir música,
Sorvendo um chá quente
Ou um tinto acolhedor,
Gozando o silêncio e a paz
Então sim,
Já sabemos que é Outono.


im

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segunda-feira, 20 de outubro de 2008

NO DIA DOS MEUS ANOS RELEMBREMOS O "DOCE MISTÉRIO DA VIDA"

domingo, 19 de outubro de 2008

À MEMÓRIA DO MEU AMIGO LEONARDO QUE HOJE PARTIU SEM TER TEMPO DE SE DESPEDIR DE MIM

Há-de vir um Natal

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito

David Mourão-Ferreira
Até sempre, Leonardo

Linguagem

Não,
Não imaginem como eu me sinto
Apenas pelo tom da minha voz.
A minha voz
É uma serva fiel
Que eu instruí ao longo da vida.
E cujo tom
Que depende das circunstâncias
Ou das minhas intenções,
Funciona como uma máscara
Da tragédia grega.
Por isso pode soar-vos risonha
Enquanto choro por dentro
E ser espaçada em tom de lamento
Numa hora de alegria.

A emoção é uma arma incontrolável.

A minha linguagem
É um jogo em que as palavras
Dissimulam sentimentos.

Por isso quem me ouve sem me ver

Só poderá saber como me sinto

Quando conseguir descobrir,

Nos disfarces que utilizo,
O que eu quero exprimir.

im

terça-feira, 14 de outubro de 2008

La vida es bella - Ernesto de Cortazar

Não me digam que está sempre tudo bem:
A minha aparência,
O que fiz,
o que penso ou o que escrevo...
Quando dizem que está tudo bem
fico em dúvida.


Há um fosso impenetrável entre a verdade e a simpatia
e eu não sei, ou não quero, transpô-lo.
Fazem-me sentir perfeita
e eu não coexisto com a perfeição.
Perfeição lembra-me algo acabado
como um círculo ou um quadrado,
sendo o primeiro mais exacto
porque não tem ângulos,
ajusta-se sobre ele próprio.
Ser perfeita significa nada mais poder fazer
porque está tudo bem
e se está bem, está esgotado.
Perfeição
impede-me de sonhar
Limita-me a vontade
e eu preciso de desafios
para viver.

im

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

(Ligar a música antes de ler) MOZART . Piano Sonata nº 16

O SEGREDO DO GRAAL

As gaivotas falaram-me de ti
Com palavras desenhadas na areia
Ainda molhada da maré.
Disseram-me que contavas histórias remotas
Construídas sobre mitos
Que guardavas fechados
Para os entregares a alguém
Que como tu
Também partilhasse o desejado
E quisesse compreender o incompreensível.

Não sei porque me escolheram
Para confiarem o teu segredo
Mas cada uma repetiu-mo baixinho
À medida que o bando se levantava.
A última, já de longe, disse-me para ir atrás de ti.

Procurei-te na praia.
Esperei-te junto ao mar
No luar de Agosto e nos poentes de Outubro.
Acreditava que as gaivotas iam voltar
Para me confiarem o lugar onde existias.
Nenhuma voltou àquela praia.

Tentando decifrar a mensagem das gaivotas
Parti para dentro de mim
Mergulhei no mundo dos meus heróis e utopias,
Menestréis e sonhadores
Pensando que através dessa loucura intemporal
Me aproximasse de ti
E que dessa forma achássemos,
No nó das duas procuras,
O que ambos desejamos:
O segredo do Graal.


gm

domingo, 12 de outubro de 2008

DOMINGO DE OUTONO

Depois do azul matinal
Tingiu-se agora o céu de cinzento,
Daquele tom que não indica se é para ficar
Ou escurece e vira chuva de repente.
Contudo
É um tom que me agrada
Sobretudo ao domingo.
Esta indefinição impõe-me sempre uma escolha:
Não sair e ver televisão
Ou retomar a leitura de um romance interrompido.
Ambas as opções
Incluem um sofá
Longo e confortável
Daqueles que ou não permitem ver um filme até ao fim
Ou onde se acorda com os óculos na cara
E o livro no chão.

De todos os prazeres outonais
Esta indecisão de clima
É um dos que me agrada mais.

im

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

UMA SUPRESA: UMA EDITH PIAF OUTONAL

Gosto
Quando chega o Outono.


O jardim fica com outra luminosidade
E ganha um tapete novo
Tecido com cores quentes.


A praia está sempre mais vazia
Esperando o regresso das gaivotas
E assistindo à partida dos pesqueiros.


A areia tem outro tom de dourado
Bem diferente daquele que nos recebe no verão.


O poente é mais poente
Não só porque começa mais cedo,
Mas porque o vermelho é mais vermelho
E envolve-nos numa onda de calor
Mesmo quando já sopra uma aragem fresquinha
Que nos faz apetecer um casaco
Ou, melhor,
Um ombro quente para nos aquecer.


im

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A oliveira,
Que me espreita do outro lado da janela,
Hoje acordou molhada
E toda manhã
Tem dançado movida pelo vento
E ao som da chuva
Que cai
Em enxurrada.
À sua maneira vegetal
Anuncia o Inverno
Neste princípio de Outono.

Seria bom
Usufruir deste temporal
Bem aninhada num colo

E bebendo, pelo mesmo copo,
Um tinto que anda atrasado


ib