Corria o ano de 1977. Acabara pouco antes o grande êxito que foi o ZIP-ZIP e já a RTP anunciava a entrada em cena de um concurso em moldes completamente inovadores para a época: A VISITA DA CORNÉLIA. Para nele se participar era preciso mandar um postal dos correios com o nome do par que desejava concorrer. Era eu então professora na Escola Preparatória do Castelo da Maia. No meio de uma conversa de aula, surgiu, entre os alunos, a ideia de me porem como candidata ao concurso. Entretanto, sem nada nos dizer, o meu sogro, enviava também um postal. Julgo que foi o dos meus alunos que foi sorteado. E perante o meu espanto eu ouvi, anunciado na Tv que seria, juntamente com o Augusto, um dos 10 casais a serem testados para a primeira apresentação do concurso. E assim lá fomos os dois passar um fim-de-semana a Lisboa e mostrar o que sabíamos no campo da dança, do canto, do teatro, da literatura e de mais umas quantas disciplinas. Para espanto nosso acabamos por ser escolhidos e passar à eliminatória, a realizar na segunda-feira seguinte, em que ficámos em 2º lugar, a seguir ao saudoso poeta e jornalista Fernando Assis Pacheco e sua cunhada, a Rosarinho Ruela Ramos. Foi durante esses 3 dias que eu conheci pessoalmente o Raul Solnado. Não tanto o Solnado como cómico, mas como Homem. Por mais à vontade que nos tentássemos sentir, aquele meio não era o nosso. E foi então que se revelou a atitude humana do Raul que tentou sempre ambientar-nos e mostrar-nos como, mesmo sem sermos profissionais, tínhamos direito próprio a um lugar ali. E porque os meus alunos do Castelo da Maia não nos viram actuar, por um corte de energia local, organizaram-se, mandaram mais postais e fomos novamente chamados. Fomos os primeiros a repetir a ida ao concurso, o que muito agradou ao Raul. Lembro-me que, havendo nessa sessão concorrentes de alto gabarito, ele, receando que não fossemos escolhidos, não assistiu às nossas provas na sala de espectáculos, mas sim roendo as cortinas que a separavam do pequeno foyer do Villaret. E no final, já connosco como concorrentes definitivos, foi a festa, que se prolongou pela noite de Lisboa, algo que nós desconhecíamos e que nos surpreendeu.
Em finais do mesmo ano foi decidido fazer, com fins beneficentes, dois espectáculos no Porto. Isto já ele nos dissera quando, durante uma estadia no Sá da Bandeira com uma peça, viera a nossa casa no dia dos meus anos e de um dos seus filhos, por coincidência no dia seguinte aos anos dele. E juntos brindámos pelas 3 efemérides. As sessões de Porto mais reforçaram a nossa ligação com ele e com o Zé Fialho. E tivemos oportunidade de avaliar o grande coração daquele homem. Era de uma humildade espantosa e tinha um sorriso que abria o coração mais empedernido. Revi-o anos mais tarde, já depois do primeiro enfarte. Notei-lhe alguma decadência. Mas ainda havia um brilho especial naquele seu olhar.
Vai em paz, Raul. É tempo de descansares. E não te preocupes porque criaste uma escola de humor novo, mas sobretudo, deixaste muitos amigos que hoje sentem uma dor especial pela tua partida.