EU PECADORA ME CONFESSO: AS LUVAS
Não, não me vou referir àquelas peças de vestuário (ou calçado? Sim porque as ditas calçam-se e não se vestem. Agradeço que alguém mais informado neste assunto me tire esta dúvida. Desde já obrigada). Não que não goste delas. Por acaso até me sabem muito bem naqueles dias de friinho que de vez em quando temos por cá. E tenho um gosto muito particular pelas de pele com um pelinho por dentro. Se não tenho de conduzir, opto pelas de lã. Tenho alguns pares, uns melhores do que outros. Contudo não tenho nenhumas favoritas dado que, sempre que elejo umas para essa categoria, duram-me muito pouco porque passo a vida a perder uma delas e portanto a desfazer pares.
As luvas que hoje são tema desta minha conversa são outras. Como hei-de explicar? Talvez assim: uma pessoa precisa de uma coisa que é difícil mesmo quase impossível de arranjar. Quando descobre que alguém lhe pode satisfazer essa necessidade vai falar com o dito cujo que pode resolver a situação e apresenta o seu problema. O que recebe o pedido torce-se e retorce-se, refere as dificuldades e…. Aí surge a solução: se houvesse um envelope com uns tostões ou uma outra qualquer oferta, talvez se amaciasse a questão. Passa-se a vias de facto, os protagonistas cumprimentam-se (talvez porque antigamente o fizessem de luvas é que a palavra terá hoje o sentido de pagamento capcioso, indevido e fraudulento) e o assunto fica resolvido.
Um dia, aí por volta dos idos de 1970, eu própria fui peça importante e colaborante num acto destes. Como professora (num colégio particular já extinto) eu tinha que avaliar as alunas, acto sempre difícil sobretudo no final de ano. Então podia passar-se desde que só reprovada a uma disciplina. Por acordo estabelecido, mesmo no ensino oficial, quando havia alunos reprovados a duas disciplinas, o conselho avaliador propunha uma nota a uma delas sempre que o aluno se tivesse revelado interessado ao longo do ano, para evitar a sua retenção. A proposta teria sempre que ficar justificada e registada em acta. Nesse ano tínhamos um caso desses com uma aluna, filha do dono de uma marisqueira local, e que estava mal a Ciências (cuja professora era uma freira) e a História ou seja, era minha aluna também. No momento de lançar as notas o Conselho ia votar uma. Ninguém era obrigado a dar a nota. Acontece que nesse momento e porque toda a gente conhecia as mãos largas do pai da aluna, pensei: “a disciplina votada vai ser recompensada. Ora X vai fazer uma oferta, provavelmente uma lagosta. Como não sabe como ela foi dada, vai oferecê-la à professora da disciplina favorecida. Sendo assim, se for a Ciências vão ser as freiras a comê-la (e elas eram tantas! Que me perdoem se alguma ainda está viva!). O melhor será eu antecipar-me e dar a nota a História!”. E assim fiz. E recebi a bicha que foi muito bem comida. Em casa éramos então só três, descontando a canalha miúda que ainda não tinha a dentição completa.
Moral da História – se algum dia eu chegar a um cargo público nesta “república das bananas” têm aqui, desde já confessado o meu pecado de concessão de favores. Não vale a pena procurarem em mais lado nenhum porque nada vão encontrar. Estou consciente de que corro o perigo de ir parar a Custóias dado que o crime da lagosta no mínimo deve dar prisão preventiva. Já se viu que para ficar com termo de identidade e residência basta apenas fazer um desfalque a um banco.
A propósito de banco, segunda feira vou levantar os tustos que ainda tenho num deles porque definitivamente as pessoas que o Banco de Portugal lá meteu não são idóneas para tratar das minhas poupanças. Até prova em contrário… (não é assim que diz a lei?).