MADRUGADA SOBRE O DOURO NO VERÃO DO ANO PASSADOComo alguns sabem, nós temos uma casinha sobre o Douro, por alturas de Baião. Procurámo-la pela rota das palavras de Eça (eu continuo queirosiana empedernida) e encontrámo-la por acaso sobre a estação onde o escritor desembarcou do comboio para receber a herança de sua mulher a Quinta de Vila Nova, hoje sede da Fundação Eça de Queirós. Ele chamou-lhe Tormes, mas o seu verdadeiro nome é Santa cruz do Douro. Ninguém pode ficar insensível à descrição que ele fez do local em que desembarcou – a estação ferroviária:
“ (…) esperámos com alvoroço a pequenina estação de Tormes (…). Ela apareceu enfim, clara e simples à beira do rio, entre rochas, com seus vistosos girassóis enchendo um jardinzinho breve, as duas altas figueiras assombrando o pátio, e por trás a serra coberta de velho e denso arvoredo”.
Actualmente a esta descrição só lhe faltam os girassóis. As figueiras lá estão, a casa é branca e a serra está na mesma, à excepção de umas raras construções. Um dia os homens que vieram muito depois resolveram aproveitar o rio para produzir electricidade. Construíram umas quantas barragens, o que equivale a umas quantas albufeiras. A água subiu e as rochas acima citadas desapareceram muito lá no fundo. E o rio viu diminuir os seus meandros porque ficou um lago e separou ainda mais os habitantes das duas margens. Aqui em Santa Cruz, no verão, ele atravessava-se a pé o que possibilitava às pessoas da margem norte ir à farmácia da margem sul, o que poupava 14 Kms, que é a distância a que fica a mais próxima, em Baião.
Paralelamente, isso trouxe outras vantagens: o rio tornou-se navegável. Toda a gente sabe que pode meter-se num barco no Porto e ir até à Régua ou Barca d’Alva ou, saindo da Régua ir até ao Porto. Aos sábados e domingos, de Abril a Outubro, o Douro parece uma auto-estrada tal é a quantidade de barcos de turismo e de recreio que o sobem e descem.
O que se passa relativamente à paisagem junto da estação, ainda há poucos anos era aplicável ao percurso que dali vai para a casa da Fundação. Nos últimos tempos a vontade extrema, para não dizer moda, que se pegou aos citadinos, fez aparecer uma razoável quantidade de construções que, graças a Deus, têm respeitado mais ou menos o ambiente rural. Por cima da minha casa, a cerca de 200m, levanta-se neste momento um complexo hoteleiro cujos donos, segundo ouvi na TV, aspiram a que seja um êxito enorme, talvez a partir do próximo ano. Os habitantes locais olham desconfiados para a construção e aproveitam para começar a pedir mais dinheiro pelos terrenos que, por plantar com a crise da agricultura, pensam vender aos prometidos visitantes estrangeiros. E imaginam, qual romanos no final do Império, que vão ser assaltados por uma horda de bárbaros que, encantados com o lugar, aqui se passarão a fixar. Eu estou sentada, à espera para ver. Quem tem dinheiro para pagar um hotel num local assim, onde nada lhes falta para terem tudo, certamente preferi-lo-á à obrigação de manter aqui uma casa com todas as obrigações de manutenção que ela exige. E por outro lado após as primeiras passeatas pelo sítio, os nossos turistas, bárbaros, visitantes ou o que lhe quiserem chamar, acabarão por pensar o mesmo que o nosso Eça escreveu à mulher em 1898:
“À excepção daqueles sítios onde como se disse, a serra se humaniza, todo o passeio se compõe de dois esforços, – o de uma descida em que há sempre o perigo de se ser despenhado, e uma subida, depois, em que se tem de parar, cada cinco minutos, a arquejar – ou vice-versa. Andar de gatas, agarrado às fragas, é frequente nestes passeio de prazer”.
Mas talvez as coisas não corram mal e seja eu que estou a ser pessimista porque aqui “ em breve os nossos males se esquecem ante a incomparável beleza daquela serra bendita!””
Gaivota no Douro